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O AMOR E O OCIDENTE

Recensão

(Mário Rosa)

L’Amour et l’Occident (edição portuguesa: O Amor e o Ocidente). Esta obra de Denis de Rougemont, datada de 1939, é, talvez, o estudo mais importante que já se fez sobre a paixão amorosa na Idade Moderna. Contudo, devemos distinguir duas teses. Uma tese histórica, que pretende ver na ligação entre o amor cortês e a atmosfera religiosa do catarismo o nascimento da paixão amorosa tal como é vivida no Ocidente; e uma tese psicológica sobre a paixão amorosa. A primeira será sempre muito problemática uma vez que não possuímos praticamente nenhuma documentação. Além de ter sido uma doutrina/religião esotérica, a parte que se reputava como exotérica foi destruída. Uma coisa, porém, é certa: sem o cristianismo, sem o desenvolvimento do pensamento simbólico e sem a estrutura social medieval nunca a paixão amorosa atingiria um tal apogeu.

 

A segunda tese continua a ter plena vigência, se bem que a sua ligação com a primeira impediu o autor de procurar uma fundamentação ontológica.

 

Ainda sobre este aspecto convém ter em conta que o livro sofreu vários acrescentos. Foi revisto em 1956 e a edição definitiva só foi fixada em 1972. Como o autor já reconhece em 1956, a tese tornou-se mais psicológica e menos histórica.

 

A análise simbólica que nos oferece Rougemont sobre o Romance Tristão e Isolda é notável. Destacaria sobretudo o símbolo do “filtro” e da “espada” como essenciais para se entender a paixão amorosa enquanto tal. Estes mesmos símbolos são também profundamente sondados enquanto génese da literatura amorosa ocidental. O seu desconhecimento, como bem destaca o autor, foi o que levou Nietzsche a procurar na moral o veneno que adulterou o Eros.

 

Incontestável hoje em dia é a ligação que estabeleceu Rougemont entre este «Amor e o Ocidente» no tocante à proliferação do divórcio. Nenhum casamento pode sobreviver fundamentado exclusivamente na paixão.

 

Acrescentaria, por fim, quatro considerações gerais sobre este livro. A análise que Rougemont faz da paixão amorosa não deixa de estar condicionada pela visão protestante da dicotomia irreconciliável Eros/Agape. Nesta questão em particular convém completar o estudo com a leitura de dois livros: Über die Liebe (Sobre o Amor), de Joseph Pieper e a encíclica Deus caritas est, de Bento XVI.

 

Se bem que Rougemont estende a sua análise da paixão ao âmbito da guerra, falta abarcar outros domínios do sentimento humano. C. S. Lewis será particularmente sensível a este aspecto. No seu livro Four Loves vemos os mesmos símbolos aplicados ao amor da natureza, da pátria, da amizade e da família.

 

Ainda no que toca à paixão amorosa, será conveniente ler o livro Physiologie de l’Amour Moderne (1891) de Paul Bourget. Aqui poder-se-á encontrar, por outras vias, a mesma denúncia do problema da paixão amorosa mas aplicada aos diferentes tipos de personalidade que se apaixonam.  

 

Por fim, uma nota em relação à “Igreja do Amor” que descreve Rougemont. Esta “Igreja”, em muitos sítios, é muito actual. No Cristianismo parece que se perdeu a ideia de que «Deus é amor mas o amor não é Deus» (C. S. Lewis). A sacralização do amor humano é sempre uma tentação e, de tempos a tempos, a idolatria instala-se.

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