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PAUL BOURGET

Recensão

(Mário Rosa)

Paul Charles Joseph Bourget nasceu em 1852 e morreu em 1935. Foi um romancista e crítico literário.

 

A sua produção literária é muito extensa. Incidiu quase sempre sobre o mesmo tema, o que levou Maurice Barrès a perguntar-lhe: «Está mesmo interessado em recomeçar todos os anos a história da dama e do cavalheiro?».

 

Aquilo que será tematizado de forma essencial no livro Amor e Ocidente (veja-se esta recensão) já está presente em Paul Bourget mas pela análise da infindável metamorfose que o Eros vai adquirindo na vida das pessoas. Paul Bourget é um fisiologista do coração, descreve meticulosamente a anatomia do Eros. Consequentemente, é um exímio analista das patologias do Eros. Não foi por acaso que este autor reclamou para as suas obras, num artigo publicado na famosa Revue des Deux Mondes, um novo género literário: «a novela do pensamento».

Physiologie de l’Amour Moderne – 1891, (edição espanhola: Fisiología del Amor Moderno) é talvez o seu melhor livro de análise. Apesar de estar escrito sob a forma de romance é praticamente um ensaio. As desventuras de amor da personagem principal servem-lhe de ocasião para reflectir sobre os caminhos da paixão.

 

Le Disciple – 1889, (edição espanhola: El discípulo; edição inglesa: The Disciple).

Vale a pena pensar no título. “Discípulo” significa, na Idade Moderna, alguém que segue as ideias de um intelectual. Neste romance, porém, tem o mesmo significado que a palavra “discípulo” adquirira na Antiguidade e Idade Média: alguém que tem uma forma de vida em consonância com o pensamento do mestre. Portanto, este romance pretende levantar uma pergunta: o que aconteceria a um discípulo se levasse à vida as ideias modernas do seu mestre? Para não revelar toda a história do livro, fiquemos pelo seu segundo capítulo: L’Affaire Greslou (O processo Greslou).

 

O discípulo é preso por suspeita de assassinato de uma rapariga. O discípulo, misteriosamente, remete-se ao silêncio e não se defende. A mãe do discípulo tenta explicar o crime do filho alegando as más leituras que ele fazia, nomeadamente do seu mestre Adrien Sixte, filósofo niilista, a quem chegou a conhecer e com quem trocava correspondência. Adrien é chamado a comparecer na instrução do processo como “director intelectual” do réu...

A continuação do romance não se dá como pensaríamos, isto é, tentando que a Justiça também condenasse o mestre ou que o próprio filósofo reconhecesse que alguma culpa tivera. Bourget sabe que os seus leitores são modernos. Sabe também da impunidade moral com que o filósofo moderno se sente investido na sua produção intelectual. Por isso constrói uma via mais subtil e muito mais eficaz: e se a causa do silêncio do discípulo encontrasse razão de ser nas teorias do filósofo? Nesse caso, colocaríamos o filósofo na situação de ter de fazer alguma coisa, muito mais se o réu fosse de facto inocente.

 

Destaco ainda uma ironia constante em quase todo o livro. O filósofo que desafia Deus, que é tão forte que consegue reconhecer a inexistência de sentido da vida, que parece estar acima da morte, do bem e do mal, no entanto fica apavorado desde que recebe a intimação do tribunal. Esta dimensão é constantemente explorada até que surge um capítulo fundamental: Tourments d’idées. Aqui as ideias mostram até que ponto podem ser reais, existenciais.       

 

Por fim, cabe dizer que esta talvez tenha sido a sua obra mais polémica também porque denuncia a conversão do autor ao catolicismo. A frase de Pascal citada no fim do livro diz tudo: «Tu não Me procurarias se não Me tivesses já encontrado» (Mystère de Jésus).  E aplicando-a à conclusão da história narrada, Bourget pergunta: «Se esse Pai celestial não existisse, teríamos fome e sede d’Ele nestes momentos?»

 

Le Démon de midi – 1914, (edição espanhola: El Demonio del Mediodia) trata sobre a crise de meia-idade e a correspondente metamorfose que o Eros adquire. Paralelamente também versa sobre o perigo do “arqueologismo” no Cristianismo. O livro encerra com um ensinamento que é «a explicação de muitos enigmas»: «é preciso viver como se pensa, pois, caso contrário, mais cedo ou mais tarde, acaba-se por pensar tal como se viveu».

 

Un Divorce – 1904, (edição espanhola: Un Divorcio; edição inglesa: A Divorce). Romance extremamente actual. É a história de uma mulher que se converte ao catolicismo já estando novamente casada. O que fazer para poder comungar? As dúvidas, os sofrimentos, a solução que a Igreja sempre indicou para estes casos, são aqui analisados em toda a sua concreção.

 

Némésis – 1918, (edição espanhola: Némesis). Reflexão sobre o mito da deusa Némesis, que representa a força encarregada de abater toda a desmesura. Neste caso, a desmesura do Eros. É notável a recuperação que faz das “leis primordiais” da condição humana.

 

Un Crime d’Amour – 1886, (edição espanhola: Un Crimen de Amor; edição inglesa: A Love Crime). A história deste romance faz-nos pensar logo em Jules Barbey. Esperamos um crime passional, imaginamos alguém estendido no chão a sangrar e nada disto acontece. O crime foi cometido contra o próprio amor: um adultério. A evolução das reflexões de Armand de Querne, um ateu convicto e coerente, até chegar à “religião do sofrimento humano”, é notável.

 

Nos Actes Nous Suivent – 1927, (edição espanhola: Nuestros Actos Nos Siguen).

(Recensão por Carlos Amaral Netto

Georges Fresnelay é um jovem revolucionário da Comuna de Paris, formado em química. Durante o período de 1870-71 inventa uma bomba com um poder extraordinário e a que foi posto o seu nome. Embora não fosse nunca utilizado, o engenho e o inventor ganharam enorme notoriedade. Em 1871, uma turbamulta julga ter encontrado Fresnelay. Na verdade, era Jean Croissy, jovem dono de uma tipografia, um pouco surdo e que estava em Paris de passagem. Georges, entretanto em fuga e disfarçado com a sotaina o Padre Rogier, que o protegera, assistiu a tudo: a multidão acusava o jovem e acabaria por o atirar ao rio. Georges nada disse na sua cobardia.

 

Georges, sob o nome de Georges Muller, fugiria para os Estados Unidos, onde construiria um império no sector químico. Casa com uma irlandesa católica e tem dois filhos, Patrick e Mabel. Mãe e filha morreriam num trágico acidente. A mulher, antes de morrer no hospital, diria ao marido: “Oh, meu Georges, que estamos nós a expiar?”.

 

Georges escreveu uma confissão antes de morrer com a sua história, que seria lida pelo seu filho Patrick.

 

“’Para quê ressuscitar o passado? Já passou’ Não, não passou! Está vivo e tem que morrer. Mas a morte de uma falta na nossa consciência não se produz pelo esquecimento. Produz-se pela expiação, segundo afirmam os místicos [...] Uma responsabilidade é uma dívida e o devedor só se livra pagando-a”.

 

Será Patrick que assumirá a falta do Pai, seguindo para França depois de ler a confissão: “O que puder ser reparado, será; e por ele mesmo, posto que eu não serei senão a sua vontade em movimento”.

 

Patrick pagará a dívida, não como se poderá supor, mas aniquilando “um sentimento que não tem direito a ter”.

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