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I - ORIGEM DA CULTURA OCIDENTAL

1. PINTURA RUPESTRE

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HOMENAGEM A MARCELINO DE SAUTUOLA

(Mário Rosa)

A invenção da escrita marcou para os historiadores uma divisão que se tornou clássica: Pré-história e História. Esta divisão foi feita por razões metodológicas uma vez que não é indiferente possuir documentos escritos ou não. Seja como for, a denominação «pré-história» é infeliz por si, dando azo a interpretações muito fáceis e absolutamente descabidas. Dito de outro modo, esta divisão facilmente se presta a uma interpretação de diferenciação antropológica: com a História temos o homem propriamente dito, nos seus grandes eventos culturais e, antes, no melhor dos casos, não sabemos bem o que temos…

 

O primeiro e mais profundo golpe que esta interpretação sofreu tem uma data: 1879. E esta data está associada a um nome: Marcelino Sanz de Sautuola. Uma breve apresentação da sua vida será elucidativa de toda a problemática em questão.

 

Marcelino de Sautuola nasceu em Espanha em 1831. Foi farmacêutico, botânico e arqueólogo amador. Em 1879 descobriu as pinturas rupestres das Grutas de Altamira, na Cantábria. No ano seguinte apresentou o esquema completo das pinturas no seu livro Breves apuntes sobre algunos objetos prehistóricos de la provincia de Santander. A publicação foi mal recebida. As autoridades científicas de então, sobretudo Cartailhac, rejeitaram a autenticidade da descoberta porque não acreditavam ser possível um nível cultural tão elevado em povos pré-históricos. No Congresso Internacional de Lisboa (1880) chegou-se a sugerir que talvez Sautuola tivesse mandado pintar as figuras.

 

Com a descoberta das grutas de La Mouthe, na França, em 1895, e com os trabalhos pioneiros e incansáveis de Henri Breuil, mais conhecido por  Abbé Breuil, as pinturas de Altamira foram novamente mas muito lentamente reconsideradas. No Congresso da Association Française pour l’Avancement des Sciences, em 1902, o Abbé Breuil publicou as suas conclusões demonstrando a autenticidade da descoberta. Como escreveram J.A. Lasheras e C. de las Heras «la obra maestra del primer Arte fue condenada al ostracismo durante más de veinte años» (Comentario sobre los Breves apuntes... de Marcelino Sanz de Sautuola).

 

Este reconhecimento público, porém, chegou demasiado tarde para Marcelino de Sautuola. Sofrendo a desonra, deprimido, isolou-se na sua casa de campo e veio a morrer em 1888 completamente desacreditado. A bem da verdade diga-se que o seu principal crítico, Cartailhac, publicou posteriormente um Mea culpa d’un sceptique e visitou a sepultura de Marcelino de Sautuola acompanhado pelo Abbé Breuil.

 

Sobre a descoberta da Gruta de Altamira gostaria apenas de comentar a crítica fundamental que impediu o seu reconhecimento: não só não era possível um nível cultural tão elevado em povos pré-históricos como apenas um pintor moderno estaria à altura de realizar aquelas pinturas. Ora, olhando agora retrospectivamente, sabendo que as pinturas são verdadeiras, podemos concluir o seguinte: culturalmente, pelo menos numa das suas dimensões mais elevadas, estamos muitíssimo próximos de um povo que viveu há 15 mil anos atrás (para nos limitarmos ao Período Clássico das pinturas). Por outro lado, esta conclusão também nos oferece um dado importante. A cultura tem um comportamento estranho: nasce, pode desenvolver-se a níveis insuspeitos e, apesar de tudo, não dar lugar a continuidade, recaindo em formas rudimentares e primárias. A evolução cultural não é linear. A cultura tem um tempo determinado e de forma alguma assegura um progresso estável. Foram os Etruscos o primeiro povo a ter plena consciência disso (cfr: Marta Sordi, Pax Deorum e a Concepção da História de Roma, Tratado de Antropologia do Sagrado, vol. III).

 

As pinturas rupestres salvaram a humanidade do homem pré-histórico e deram-lhe lugar de cidadania na História. “Pré-história” é um termo a abolir. Mas vai demorar. Não pensemos, com efeito, que a objecção que levou a rejeitar a autenticidade das pinturas rupestres desapareceu completamente. Ela continua presente mas agora nas interpretações do significado de tais pinturas. É o que veremos no separador dedicado a André Leroi-Gourhan.

Nota: no seguinte conjunto de imagens, além da sua grande beleza, tenha-se particularmente em conta as dificuldades que as irregularidades das paredes apresentam para a pintura. Seguidamente, repare-se como essas mesmas irregularidades foram utilizadas para configurar e dar dimensão às pinturas.     

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